Trabalhos sociais voltados para educação e profissionalização são formas utilizadas para promover a mudança das comunidades
Fabyane Almeida
Educar com um único objetivo: mudar a rotina de crianças e jovens que vivem nas periferias de Maceió, próximo à criminalidade e à marginalidade diária. Essa é uma das muitas tarefas dos educadores que coordenam Organizações Não Governamentais (ONGs), que buscam em trabalhos diferenciados a solução para retirar essas crianças dessa dura realidade e poder prepará-los para um futuro diferente.
De acordo com uma pesquisa divulgada pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos, o Índice de Homicídios na Adolescência (IHA), entre jovens de 12 a 18 anos, tem crescido. Ou seja, seis de cada sete assassinatos são motivados por arma de fogo. Foi identificado ainda como um dos fatores agravantes dessa situação a desigualdade social que afeta a renda e ressalta ainda que as mortes mais violentas nas regiões tem cor, nível social e idade.
Em contrapartida, regiões onde programas de incentivo à educação está presente é possível notar uma redução desses homicídios, pois acabam protegendo mais o adolescente. Assim acontece na ONG Sua Majestade O Circo, localizada na Vila Emater desde 1998, que realiza trabalhos com uma proposta pedagógica construtiva, onde o aluno participa da aula que se identifica. Os jovens têm aulas de balé, teatro, coral, música, dança, artes plásticas, incentivo à leitura, educação ambiental e técnicas de circo.
A ONG atende 248 crianças, e uma vez por mês realiza reuniões com as famílias para tratar do futuro do jovem. Segundo a coordenadora do projeto, Peró Andrade, a ONG realiza trabalhos para livrar os jovens do mundo da prostituição e das drogas. “Muitos desses jovens abandonavam a escola antes de chegarem à quarta série e acabavam ingressando para o mundo das drogas; alguns até foram assassinados. Mas esses que entraram com 5 anos, nós educamos desde pequeno e não nos preocupamos, pois eles têm todo acompanhamento. E as reuniões com as famílias é fundamental para ter um bom desenvolvimento”, disse.
Algumas das atividades recebem apoio de empresas e de multiplicadores sociais, como acontece com as aulas de circo. Jovens que aprenderam na ONG participaram de cursos com o Cirque Du Soleil e o do ator Marcos Frota. Eles adquiriram a técnica e hoje transmitem o conhecimento aos mais novos. “Seis multiplicadores do circo dão aulas para as crianças, e esse trabalho rende frutos. Nós fomos para o festival de Circo Social da Nossa América, que aconteceu em Goiânia. Isso para nós já representa uma grande conquista”, falou emocionada Peró. “Além de desenvolver um lado importante, que é a concentração, que ajuda no desenvolvimento escolar”, explicou.
Outra atividade que também rendeu frutos foi à pintura do muro da Algás. “Vinte e dois jovens que faziam parte das aulas de artes plásticas pintaram o muro da Algás; e agora no início do ano nós vamos voltar lá para refazer a pintura que já está precisando de reparos”, afirmou a coordenadora.
A maioria dos pais das crianças são analfabetos e catadores de lixo sem nenhuma instrução. Quanto às crianças que participam do projeto da ONG, todas estudam e recebem educação ambiental. Para Peró, o estudo do material reciclado é necessário. “Elas têm muito cuidado onde colocam o lixo. Para elas garrafa pet e latinha significam dinheiro, pois os seus pais são catadores e utilizam esse material para o sustento de suas famílias”, disse.
Malabarismo é uma das atividades da "Sua Majestade o Circo" |
Formando artistas para a vida
A busca por um futuro melhor, para seus filhos é o que motiva os pais das crianças e jovens da Vila Emater que frequentam o projeto Sua Majestade O Circo a participar junto com eles em algumas atividades. Para Maria Quitéria da Silva, que tem dois filhos participantes do projeto há dois anos, é melhor saber que eles estão aprendendo algo no projeto do estar na rua. “Quando eles vão para o projeto eu fico tranquila, porque sei que lá eles ocupam a cabeça com algo que vai ajudar no futuro”, disse preocupada Quitéria.
Já para Maria Luciana Paulo dos Santos, mãe de três meninos que estão no projeto, integrar a ONG significa um mundo fora das drogas. “Tenho três filhos que estão lá, fazem parte das atividades do circo e do coral. Uma filha já foi monitora de números aéreos, hoje está casada, largou o projeto, mas ainda pensa em voltar”, afirmou Luciana. “Aprendi a fazer boneca, sombrinha de garrafa pet. A ONG também atende a toda família”.
A insegurança na favela causa medo aos jovens que deixaram de participar das atividades. Esse é o caso do adolescente José Samuel, que esteve na “Sua Majestade”, durante 9 anos. “Eu adorava quando fazia malabares, cheguei a viajar para apresentar nas caravanas e em outros estados e para assistir ao Cirque Du Soleil”, relatou. “Já aconteceu de estarmos aqui no meio da favela e a polícia entrar atirando e quando estamos lá, tenho certeza que estamos seguros”, finalizou José Samuel que ficou um ano afastado do projeto.
O trabalho que ganha novos rumos
O Projeto Erê, realizado na Vila Brejal, surgiu inicialmente com a perspectiva de atender a demanda de crianças e adolescente moradores de rua. Alguns educadores se reuniram e fundaram o projeto, que já existe há 20 anos.
Durante muito tempo, o trabalho foi realizado exclusivamente com os moradores de rua. Com o passar do tempo perceberam a necessidade de realizar trabalhos preventivos, porque as crianças atendidas eram oriundas da orla lagunar, que antes funcionava no Centro.
Uma das tarefas da ONG é a educação infantil de crianças da própria comunidade. Há dois anos, não são realizadas atividades com os meninos de rua por falta de apoio. Para Átila Vieira, coordenador do projeto, é muito difícil manter uma ONG. “Quem mantém a ONG são duas igrejas, uma católica e uma evangélica além de uma banda da Alemanha, que repassa parte do dinheiro que eles arrecadam com venda de DVD e shows”, explicou.
A ONG já realizou cerca de 200 atendimentos por mês com os moradores de rua, onde o principal objetivo era a reintegração dessas crianças à família. Hoje atende 40 crianças com idades entre 4 e 5 anos, que recebem a pré-alfabetização. Segundo Átila, no próximo ano a ONG ganhará mais espaço. “Como iremos ter um maior espaço no próximo ano, pretendemos ampliar as nossas atividades para 120 crianças e retomar a capoeira, dança, banda e o teatro”, relatou.
De acordo com Átila Vieira, o trabalho que realizado na ONG tem o objetivo de ajudar no desenvolvimento das crianças. “Algumas crianças ficam os dois horários pelo fato de os pais trabalharem e não terem com quem ficar, aí acabam ficando aqui mais tempo que o necessário”, finalizou Peró Andrade.
Atividades tiram crianças do trabalho infantil |
Ações vão muito além de educação
No bairro do Pontal, a ONG tem como principal objetivo trabalhar a cidadania de crianças e jovens da periferia. O projeto Mulungu atende 120 jovens, entre 15 a 17 anos, que estão inseridos no Pró-Jovem Adolescente, que tem parceria o Governo Federal e com a Secretaria de Assistência Social (Seas).
Há 8 anos que a ONG realiza vários trabalhos, um deles é o Pré-Vestibular comunitário, que, em parceria com a Universidade Federal de Alagoas (UFAL), prepara os estudantes para o vestibular. De acordo com Luiz Carlos, coordenador do projeto, a cada ano o número de estudantes participando do vestibular aumenta. “Este ano foram mais de 50 pessoas inscritas fazendo vestibular, o maior número de todos os anos”, falou.
A ONG atua em parceria com a Secretaria de Saúde, no Programa de Prevenção das DST–Aids, onde são distribuídos preservativos na própria instituição. “As pessoas se cadastram e passam a receber semanalmente os preservativos”, informou o coordenador.
Já com a Secretaria do Estado foi aprovado “O Projeto Mulungu Previne no Meio da Rua”, que vai ter início em janeiro. O projeto busca atender diretamente cerca de 500 pessoas por mês. A proposta é realizar nas ruas da cidade de Maceió diversas atividades como palestras educativas, apresentações culturais, distribuição de material educativo e preservativo.
Orientação social, arte e cultura e esporte e lazer, essas são algumas das atividades desenvolvidas pela ONG e o jovem ainda recebe um acréscimo no bolsa família. Para que o jovem esteja inserido numa dessas atividades é necessário estar frequentando regularmente a escola.
Para Jeferson Alves, essa é uma ótima oportunidade para os jovens que moram tão próximo ao tráfico. “Essa é uma oportunidade de retirar crianças e jovens do mundo das drogas e livrar-lo de atitudes erradas. Meus pais me apóiam porque sabem que eu não estou fazendo nada de errado aqui”, afirmou.
De acordo com Charles Pereira, responsável pelas aulas de esporte e lazer, essa também é uma atividade que faz revelar talentos. ”Nós tentamos fazer com que eles percebam que o esporte é um caminho do bem e que é melhor, mais proveitoso que estarem na rua perto do envolvimento com as drogas. A comunidade já perdeu muitos jovens para o mundo do crime, adolescentes com 16 anos sendo assassinado, isso é terrível”, explicou Charles que já foi aluno do projeto e agora participa sendo professor de uma das atividades.
A irmã dele, Michele Pereira não teve o mesmo empenho com o projeto. Foi mãe aos 15 anos de idade e hoje não frequenta com regularidade a ONG. “Esses trabalhos são realizados por pessoas, na maioria das vezes são voluntárias e tem o poder de mudar trajetórias da vida de jovens que vivem nas periferias de Maceió, em meio ao mundo do crime, da marginalidade e das drogas”, completou Charles Pereira.
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