sexta-feira, 21 de outubro de 2011

A boate que virou lenda

16 anos depois da morte de Mossoró, a mais famosa casa noturna alagoana continua viva nas lembranças dos antigos clientes

Gilca Cinara

“Teve época que tínhamos mais de 100 mulheres perdidas dentro da boate”. Se recorda o filho do famoso Benedito Alves dos Santos, o “Mossoró”, sobre os anos de grande movimentação na Boate e Churrascaria Areia Branca, consagrada o melhor prostíbulo de Alagoas, nos anos 70 e 80, no bairro do Canaã, em Maceió. Aos 65 anos, o aposentado Alberto Nascimento Santos, mesmo contando que está com a memória fraca, ainda traz boas lembranças dos anos dourados do Areia Branca.

Entre suas lembranças, “Roberto”, como é conhecido, relata o dia em que deixou o bairro do Jaraguá, ao lado do pai para montar o novo negócio na parte alta da cidade. Benedito Mossoró deixou a sua profissão de pintor para se tornar dono de um bar diferente. O primeiro estabelecimento, onde conseguiu uma grande parte da clientela, foi no próprio Jaraguá. No bairro, permaneceu por longos anos na Rua Sá e Albuquerque, até o governo da época determinar o fechamento dos prostíbulos, em 1967.


“Quando fechou o Jaraguá, meu pai ficou sem saber para onde ir. Ele tinha esse terreno aqui no Canaã, e resolveu colocar a boate aqui para fugir da fiscalização do governo. Ele labutou muito para construir, mas não pensava que o estabelecimento ganhasse tanta fama. Ele cismou em entrar para o ramo”, recorda.

O apelido Mossoró foi dado pelos fregueses, devido ao nome da boate Areia Branca, que lembrava as dunas de areia na cidade de Natal. “O povo foi chegando e ele foi ganhando nome”. Ao falar sobre o pai, Roberto o classifica como uma pessoa “bacana e ao tempo reservada”. “Ele sempre procurou o lugar dele. A maior parte do povo gosta de criticar donos de boates. Muitos homens gostam, mas tem mulher que não gosta deste tipo de lugar”, afirmou aos risos.

O prostíbulo ganhou tanta fama, que virou ponto turístico em Maceió.  “O povo que frequentava não era de baixa renda. Se citarmos nomes em público a família não aceitará e vai querer criar problemas”, disse Roberto fazendo referencia ao grande número de personalidades políticas que eram fregueses do Mossoró. A casa também foi visitada por personagens como Altemar Dutra, Vera Fischer, Martinho da Vila e outros.


Das luzes às ondas musicais por todo o Brasil


Rapidamente, as luzes e as mulheres que animavam o local ganharam fama nacional. A boate, inclusive, virou tema de música do sambista Martinho da Villa e do alagoano Djavan.


“... Vou tomar uma azuladinha


E vou convidar vocês
Pra comer uma agulinha
Lá na Praia do Francês
E um casadinho de feijão
Lá na casa do Seu João
E depois vou vadiar
Com as meninas em Mossoró

Só em Maceió
Só em MaceióÉ que se pode vadiarCom as meninas de MossoróCom as meninas de MossoróAlagoas, AlagoasHá Alagoas...”, escreveu Martinho da Villa.

Essa situação não serviu para melhorar o local. Mesmo com o passar do tempo e o crescimento econômico, a rua mais movimentada do bairro ainda continua com o aspecto encontrado por Mossoró, em 1969: esburacada, sem saneamento e pavimentação. No local erguido o palácio do Rei da Noite, hoje é preenchido por residências de aluguéis, divididas entre os três filhos. Em um desses imóveis reside Roberto, com a mulher e o neto. 


“Depois que ele faleceu passei um ano à frente da boate, mas não agüentei. Os impostos eram muito pesados, na época pagava R$ 1.200 só de energia para tirar esse dinheiro vendendo cerveja. O povo já tinha parado de consumir as bebidas mais caras, onde eu conseguia tirar mais lucro. Desde então continuei morando aqui (Canaã) há mais de 45 anos. Agora penso em deixar o bairro, o que tinha que perder aqui eu já perdi, perdi meu pai”, se emociona Roberto.

Com a fama do Mossoró e a movimentação na região ainda deserta, começou o crescimento do bairro do Canaã, hoje habitado por mais de sete mil moradores. A população, em sua maioria, é oriunda do Interior. Muitas pessoas que trabalharam no Areia Branca fixaram residência no bairro, após o seu fechamento, em 1995. Benedito Mossoró faleceu no dia 14 de dezembro de 1994, vítima de um infarto fulminante. Com a sua morte, o Areia Branca resistiu menos de um ano com as portas abertas.
Na época do sucesso, outros prostíbulos se instalaram ao redor do Areia Branca, que se destacava pela sua organização e pela “excelente” seleção das mulheres. “Quem tinha dinheiro freqüentava o Areia Branca duas, três vezes na semana. Quem não tinha se contentava com outros, como o Bar do Paulo, a Sandra, Eliane e outros cabarezinhos que tinham por lá”, lembra um freguês assíduo do Mossoró, que prefere não se identificar para não ter mais problemas com a esposa.

Para o presidente da Associação dos Moradores do Cannã, José Bonifácio, o fundador do bairro foi Benedito Mossoró. Com o tempo, fábricas foram instaladas no local, os terrenos começaram a ser invadidos por trabalhadores, que deram o nome de sua cidades para as ruas. “Satuba, Porto Calvo, Anadia, Maragogi, Quebrangulo, Jequiá e antiga Rua Camaragibe são os nomes batizados das sete ruas do Canaã”, conta.

“O Canaã para nós hoje é uma cidade. Tem muito gente que saiu daqui a época quando começou o crescimento do bairro, que hoje quer voltar e não tem mais condições. O bairro se desenvolveu muito. Hoje temos uma população de mais de sete mil moradores”. Mesmo com todo o desenvolvimento, Bonifácio lamenta a discriminação da área onde funcionavam os prostíbulos, esquecida pelo poder público. 

A noite de gala no Mossoró

O aniversário da boate era comemorado em grande estilo. Todos os anos, Benedito Mossoró oferecia uma festa para sua clientela, regada com muita bebida, música e o glamour das suas meninas. Todos seguiam o estilo elegante do grande anfitrião da festa, que tinha sua preferência pelo terno branco, marca registrada do mais conhecido boêmio alagoano.


“A festa era com todo mundo de sapato alto e mulheres com vestidos longos. A fila de carro era grande, a cerveja era de graça, de 50 a 100 grades de cerveja. A festa começava no final da tarde e antes das 22h a bebida já tinha acabado. O povo devorava tudo. Todo ano ele dava essa festa. Ele era tão ruim, que ele fazia isso. Ele ajeitava muito os clientes, ai você tinha que voltar, ali é bom e vou ter que voltar”, disse Roberto.


As meninas do Mossoró 


A beleza das meninas do Mossoró encantava quem por lá frequentava. “Mulheres selecionadas a dedo”, riu o filho do empresário da noite. E assim que muitos fregueses da época qualificam as meninas. Para trabalhar no Areia Branca não bastava apenas ser bonita, mas tinha que saber agradar ao cliente. Tinha que ter molejo.
Apesar da renovação das meninas ser sempre constante, muitas histórias de amor nasceram com as visitas habituais ao estabelecimento, como é caso do aposentado Cícero Lima. “Eu me apaixonei por uma das meninas chamada Daniela. Por pouco não me casei com ela, como fez o meu primo que casou com outra menina do Mossoró, e construiu uma família com três filhos e netos”. O trecho relatado por Cícero se assemelha a tantos e tanto casos. “Hoje muitas das mulheres que trabalharam no Mossoró estão casadas e são mães de família”, conta, relembrando que elas vivem apenas nos sonhos dos antigos clientes.

Uma pessoa em Recife se encarregava em trazer as meninas das cidades de Aracaju, Caruaru, Recife, Campina Grande até Maceió. Algumas delas, como já trabalhavam no ramo há muito tempo, chegavam ao Areia Branca sozinhas, acompanhadas apenas ‘da cara e da coragem’. Todas elas dividam os quartos construídos por Benedito Mossoró. Em época de grande movimento duas a três mulheres moravam no mesmo quarto.  “Ele (Mossoró) ia buscar também. Mas na época ninguém podia trazer duas, três mulheres no carro não que a Polícia pegava, porque sabia que era tráfico de mulheres”, disse Roberto.


Bem apresentáveis, elas não desapontavam nenhum cliente que as convidavam para também fazer companhia em festas sociais. “Lembro-me que nos finais de ano, eu e um primo pegamos cinco mulheres do Mossoró e levamos para uma festa no Clube Fênix. Elas eram muito bonitas, educadas e bem vestidas circulavam normalmente em todo lugar. Só sabia o que elas faziam quem lá frequentava. Na rua ninguém comentava nada, pois quem via achava que o cara estava acompanhado da esposa. Isso aconteceu outras vezes, inclusive na festa de formatura do meu primo no Iate Clube. Elas se comportavam melhor que certas mulheres donas de casa que quando enchiam a cara ficavam loucas nas festas”, contou um empresário que preferiu manter-se no anonimato.


Poucas confusões foram vista dentro da boate Areia Branca, graças à organização do Mossoró e a fiscalização do gerente, o senhor Djalma. Da amizade existente entre seu pai e Djalma, Roberto jamais esqueceu. Se vivo estivesse, Djalma seria o grande narrador das noites boemias e festivas no Areia Branca. Quando faleceu, há 16 anos Benedito Alves, o Rei da Noite, deixou a casa em pleno funcionamento, com nove funcionários e uma dezena de mulheres. Clientes assíduos, ao relembrar das aventuras no Mossoró enchem a boca para dizer: “Era um ambiente quase familiar”.

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