sexta-feira, 21 de outubro de 2011

O fim e o recomeço

Marechal Deodoro a 20 km de Maceió, vivem 212 famílias em uma comunidade litorânea que foi habitada à mais de 50 anos. Seu nome: comunidade do Jacaré. Hoje ela será reconstruída e sua história começará a ser recontada em um conjunto habitacional.


Marcos André

A rotina pouco muda. Homens pescando, com diversas opções: varas; puçás e tarrafas. Em outra extremidade mulheres ao leito do rio lavando suas vestes, cantarolando e discutindo capítulos anteriores da novela. As crianças, essas trabalham pesado, são comerciantes. Ficam na beira da rodovia vendendo as frutas que extraem dos sítios na região. Os peixes também são vendidos; este, fruto do trabalho dos homens. Essa é uma parte da rotina na comunidade do Jacaré, nas margens da AL 101 Sul, no município de Marechal Deodoro. No entanto, este cotidiano está com os dias contados para acabar: a duplicação do trecho da rodovia vai retirar do local as 212 famílias.

Energia só existe dentro das casas, água apenas fora delas. Com isso, eles aprenderam a compartilhar lavanderias e banheiros coletivos. Ao pôr do sol existem duas alternativas. Permanecem em suas residências assistindo TV ou vão para o lugar em comum na comunidade: as mesas de baralho e bate papo. As mulheres preferem as janelas, nas longas conversas com as vizinhas. Quase que não existe intriga na comunidade, a divisão de tarefas e o trabalho em grupo os ensinaram a viver em pacificidade.



Comunidade Jacaré, história prestes a ser diluída
Crédito: Amanda Dantas
 A comunidade é liderada por Tiago da Silva, um jovem de 27 anos que dirige o grupo desde 2007. Segundo ele, sua liderança surgiu por indicação da comunidade, que precisava de alguém “com mais jogo de cintura” para os debates que ocorressem na Câmara de Vereadores de Marechal Deodoro. Em uma delas, Tiago levou para o debate, uma reivindicação antiga da comunidade: a melhoria nas condições de moradia. “Sempre convoco reunião com a comunidade. E em todas as reuniões, pautamos uma problemática antiga, que é ter uma moradia digna”, explicou.

Ao longo de 50 anos de habitação no local, os moradores da Comunidade do Jacaré construíram a identidade de um povo. Identidade essa que deve fazer parte da historicidade de Alagoas. Um Estado que têm valores culturais oriundo das atividades litorâneas. Sem dúvida, uma das maiores riquezas de Alagoas é a construção do Estado através das tradicionais comunidades de pescadores e artesãos. Onde se explorava as especificidades de um lugar de riquezas múltiplas, fazendo com que se inicie a atividade econômica por parte da classe pobre.

Ao caminhar pela areia branca que se faz de passagem entre as tantas da comunidade, encontra-se dona Jedalva. Uma senhora de 57 anos que lembra alguns momentos do tempo em que Jacaré estava se constituindo. “Eu morava com minha mãe no tempo que nos mudamos pra cá. No começo nós ajudávamos a construir o barraco dos parentes que estavam vindos. Aqui sempre foi tudo muito simples, nunca precisamos de muita coisa. Temos o mar e o sítio pra plantar”, comentou dona Jedalva ao lembrar-se de como se construiu a comunidade.

O recomeço

Com o processo de urbanização da rodovia AL 101 Sul, a comunidade irá se diluir e se recomporá em um conjunto habitacional. Boa parte dos moradores, os que viviam no lado direito da rodovia, no sentido Maceió - Marechal já desocuparam o espaço. No entanto, o condomínio para onde eles irão está longe de ser concluído, e o prazo de término da obra está estipulado para agosto de 2012, um ano após a saída da comunidade.

Como alternativa a entrega das casas, o governo repassou a cada família, um aluguel social, no valor de R$ 2,4 mil. Esse dinheiro seria para as famílias procurarem um imóvel para alugar no período de um ano, enquanto esperam a entrega das casas. Com esse dinheiro, muitas famílias estão espalhadas em torno da grande Maceió. “Muitos foram para o Benedito Bentes, outros estão em Marechal Deodoro, mas boa parte dessas pessoas construíram suas barracas no lado esquerdo da comunidade, que ainda não foi demolido. Com isso, eles aproveitaram o aluguel, dado pelo governo, para colocarem comida na mesa”, disse Tiago da Silva.

O motivo do esfacelamento da Comunidade do Jacaré é o avanço da obra de duplicação da rodovia AL 101 Sul, que se estende por 25,8 Km, entre o Pontal da Barra, Maceió e o trevo do Gunga, na Barra de São Miguel. A obra também inclui a duplicação de quatro pontes e a criação de três novos viadutos. A primeira parte foi concluída em janeiro deste ano, com 5,5 km de extensão. Trecho situado entre o acesso à Praia do Francês, em Marechal Deodoro, e a Barra. O segundo trecho já foi liberado, possui 3 km de extensão e será este que passará pela Comunidade do Jacaré.

A Secretaria de Estado da Infraestrutura (Seinfra), a Prefeitura de Marechal Deodoro e a comunidade já assinaram um termo de compromisso. Os moradores desocupam o espaço, recebem o aluguel social e o Estado assegura a construção do condomínio para onde eles irão. O local já recebeu até um nome: Residencial Recanto da Ilha e será construído a poucos quilômetros da Comunidade Jacaré, nas proximidades de Barra Nova. Lá eles terão água encanada, dentro das residências e energia elétrica, nas proximidades da casa. Com isso, passarão a pagar contas que antes não faziam parte dos seus orçamentos, como água, luz e condomínio.

“Vai ser bom a gente ir para lá, pois teremos água dentro de casa, praça iluminada e será uma casa bem melhor do que essa aqui que a gente mora hoje. Porém, a gente vai pagar contas que antes a gente não pagava”, desabafou Maria José, moradora da Comunidade do Jacaré. Ela é uma das que reconhece os avanços da nova moradia, mas não dispensa as vantagens da vivência na comunidade. “Aqui é muito bom, nós temos tudo que queremos. Quando precisamos vamos pegar peixe no rio ou pegar fruta no sitio. Lá será melhor em outro sentido, mas eu nunca vou esquecer as coisas boas daqui”.

Realidade semelhante

Outras comunidades de Alagoas estão passando por situações parecidas. Uma delas é a comunidade da Vila dos Pescadores do Jaraguá. Onde serão removidas de seus locais de origem e passaram a viver no bairro do Sobral. 450 casas já estão sendo construídas, com o propósito de tirar os pescadores do Jaraguá.

O motivo da transição é a construção de um projeto de revitalização do Porto. Tendo em vista que se trata de um lugar litorâneo, dentro da cidade e de grande valor estético e imobiliário. O projeto é uma obra da Prefeitura de Maceió, que tem o objetivo de construir uma marina no espaço, que de acordo com o prefeito Cícero Almeida melhorará o visual da cidade.

Trabalhadores que sobrevivem da pesca insistem que não pretendem deixar o espaço em que estão instalados há mais de 80 anos, e cuja memória se confunde com o próprio processo histórico de crescimento da capital. Outra problemática levantada pela comunidade, é que o local para onde eles irão, é longe de seu local de trabalho, e isso trará bastante dificuldade de locomoção.

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