O que fazer para subsidiar o audiovisual brasileiro e democratizar o acesso? O cineasta Hermano Figueiredo faz um breve relato sobre as produções nacionais e sua dificuldade de abrangência.
Marcos André
"O cinema não tem fronteiras nem limites. É um fluxo constante de sonho." Essa frase é do cineasta estadunidense Orson Welles. E é sobre essa perceptiva de realizar sonhos e propor uma nova realidade através da arte que se propaga o debate de difusão do acesso e criação artística. Contemplando os sujeitos históricos, tantas vezes esquecidos pelo processo de massificação da indústria cultural.
Umas das formas vista pelo cineasta alagoano Hermano Figueiredo, foi levar a ‘telona’ para as comunidades carentes. No entanto, como a ousadia é o carro-chefe dos trabalhos de Hermano, ele não poderia fazer nada convencional. Foi aí que ele enxergou a possibilidade de fazer as exibições nas velas da jangada. Usufruindo de um cenário pacato da praia noturna e de um clima típico da cultura alagoana. Além de ter um público voltado para as comunidades carentes.
Esse tipo de cinema é o projeto ‘Acenda uma Vela’, que leva um pouco do audiovisual para aqueles que não tem poder aquisitivo para visitar uma sala de cinema. O projeto foi idealizado como forma de emancipação do ser humano, libertando-o de uma concepção imposta de que o ser humano é apenas um coadjuvante e não um agente transformador de uma sociedade. “Toda produção do intelecto humano é uma forma de interferência da sociedade. E a difusão da produção do audiovisual tem profundos reflexos na cultura contemporânea brasileira”, argumentou Hermano Figueiredo.
Para ele, o que não se pode é excluir aqueles que não reproduzem a lógica do capital e vivem nos guetos, longe do processo civilizatório. Com isso, o que ocorre é uma desconstrução, porque faz com que o ser humano perca o senso crítico. “Hoje em dia, a leitura da realidade é cada vez mais feita através do audiovisual. O conhecimento da linguagem do audiovisual é uma atividade extremamente importante para a preservação e consolidação das identidades culturais e na formação de uma consciência nacional. E logicamente um indivíduo melhor informado e consciente criticamente da realidade a qual está inserido, tem mais condições de emancipação e promoção social e humana.”, explicou o cineasta.
Desse modo, o projeto segue a perspectiva de não apenas levar a arte para as comunidades, mas também de debater e discutir sobre o filme e principalmente mostrar para eles a figura de seus conterrâneos como protagonistas, visto que os filmes são sempre com a temática regional. Aumentando assim, o processo de afirmação cultural, pois, eles conseguem se enxergar na tela, se identificar com o que está passando, já que retratam sua realidade. “É muito mais interessante ‘rodar’ filmes alagoanos, porque além de aumentar a concepção de identidade, a aceitação é bem legal. Quem não gosta de se ver, ou se identificar com algum personagem na televisão?”, questionou Anderson Barbosa, incentivador do cinema alagoano.
Hoje, apesar de se ter uma produção cultural bastante efetiva, ainda se está sob imposição de uma mídia poderosa que nos sufoca com a idéia de que as produções estrangeiras são sempre melhores, principalmente as hollywoodianas. “Isso é péssimo para nós. Faz com que a gente aprenda a pegar tudo mastigado, uma produção enlatada dos EUA. Isso é muito ruim, porque não cria uma consciência crítica. Temos que engolir sem fazer nenhum questionamento, além de fragilizar a soberania nacional,” destacou.
Uma vez que a indústria de entretenimento impõe seus produtos, ela propicia a renúncia ao processo de afirmação, enquanto identidade cultural. Deste modo, Hermano acredita que “as especificidades de cada canto do país são cada vez mais deixadas para trás. Isso porque não tem espaço, nem vez para produzir, e quando produz, sofre bastante resistência do público”.
Para o cineasta, o Estado deveria adotar medidas protecionistas aos produtos nacionais, como o estabelecimento de cotas para filmes brasileiros. Além disso, ampliar o apoio e subsídios a produtos nacionais e regionais.
O produtor cultural defendeu também a TV pública brasileira- ‘TV Brasil’ e o ‘Programa Cine Mais Cultural’, por apoiar o cinema brasileiro e completou: “As políticas públicas que reguem o audiovisual aqui no Brasil devem criar ações junto a setores organizados do governo para criar subsídios e incentivos aos produtos regionais culturais. Através, por exemplo, de cineclubes e utilizar a linguagem do audiovisual nas salas de aulas.”
Por intermédio desses mecanismos, é possível desconstruir o discurso da indústria cultural, que impossibilita o livre processo de criação artística de cada individuo. Isso faz com que se perca as identidades culturais, uma vez que não é garantido as produções nacionais.
Um breve histórico do audiovisual
O cinema começou nos EUA, com os irmãos Lumiére, que juntava uma grande quantidade de fotograma em ordem numérica e as colocavam expostas. Dando assim uma idéia de movimento. (até então apenas visual, pois o cinema nessa época era mudo). As imagens eram sempre de um cotidiano normal e pacato de uma cidade. Porém, com o sucesso do veículo, o audiovisual tomou rumos bem mercadológicos, tornando-se um veiculo de propaganda. Como um modo de difusão da indústria que produzia incessantemente.
Nos anos 50 a TV chega ao Brasil. Porém, não com o intuito de democratizar, nem facilitar a rede de interelações através da comunicação, muito menos de produção cultural. Na verdade o audiovisual chegou ao Brasil imitando o modelo Norte Americano. Mas agora é para assegurar a necessidade de expandir tudo que vem do sul do país e do exterior para todo o território brasileiro. Sobretudo uma tentativa de padronização numa concepção opressora de uma relação de poder. Uma cultura de massa, imposta por uma minoria que detém todo o processo de produção.
Sendo assim, os meios reproduzem os valores da classe dominante para toda a sociedade. Uma das formas de isso acontecer é definindo padrões de comportamento, colocando-os como os únicos corretos e denegrindo toda e qualquer forma de socialização que não seja compatível com a que ela impõe. Sobre essa ótica, os modelos colocados são sempre os valores do capital, principalmente do consumo, como forma de realização pessoal, para ser aceito na sociedade, pautada por esses princípios. Fazendo parte da sociedade de consumo- Indústria Cultural.
E sobre esses questionamentos, cabe a nós fazer algumas reflexões. Quem se deve a culpa nesse caso? É importante perceber que enquanto o Estado, como órgão regulador da sociedade civil, não tomar medidas cabíveis, ao ponto de colocar-se em uma situação protecionista para os produtos culturais brasileiros, a nossa situação será sempre a de mero reprodutor e mero telespectador de uma cultura que não condiz com a nossa realidade. Isso fragiliza nossa soberania, nega nossa identidade e fere o nosso conceito de fazer arte, nos distanciado do processo de produção, uma vez que o cinema é uma coisa para ser engolida e não produzida, discutida ou reafirmada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário