Principais pontos de queima de madeira estão no litoral norte
Fabyane Almeida
Sacas de carvão clandestino sendo embaladas pelo infrator (Foto: Fabyane Almeida) |
A fumaça pode ser vista às margens da rodovia AL-101 Norte. Esse é o primeiro sinal da presença de carvoarias ilegais na região do distrito de Ipioca, distante dezoito quilômetros do centro de Maceió. O povoado tem sido alvo de constantes desmatamentos e queimadas de madeira para fabricação de carvão.
Basta sair um pouco da rodovia, num trecho próximo ao Clube da Braskem, que lá estão os acampamentos. A área fica distante três quilômetros da pista, num ponto de difícil acesso, com faixas de desmatamento de Mata Atlântica. O local é usado para treinamento de militares que identificaram, há dois meses, os vários pontos da queimada, que medem dez metros de diâmetro.
Apesar da existência de cabanas, os exploradores dos recursos naturais não ficam no local. Eles montam as carvoarias no solo e deixam a área para não serem flagrados pela fiscalização. “Na maioria das vezes esses criminosos conseguem fugir. Eles conhecem bem os pontos de exploração na mata, que facilita o encontro de lugares para se esconder. A polícia, como não está naquela região todos os dias, acaba se atrapalhando e perdendo eles de vista. Eles são perigosos, inclusive, em algumas ações chegamos a trocar tiros com eles”, contou o tenente do Batalhão de Policiamento Ambiental (BPA), Anderson Barros, responsável pela fiscalização.
Após três a quatro dias, quando a madeira se transforma em carvão, eles retornam para o acampamento e retiram do solo o material que será vendido ilegalmente na região. As sacas de carvão pesam de 15 a 25 quilos, com preço de R$ 9 cada. Comerciantes e moradores do entorno são os principais compradores dessas mercadorias.
Os criminosos evitam levar o carvão para pontos distantes, já que correm o risco de serem flagrados transportando a mercadoria sem nota fiscal e sem autorização por parte dos órgãos ambientais. Caso sejam flagrados, esse tipo de crime, de acordo com a Lei nº 9.605/98 (Art. 45), custa aos infratores o pagamento de multa que vai de R$ 50 a R$ 50 mil, dependendo da área desmatada, cabendo, ainda, pena de detenção de dois a três anos.
Operações de combate ao crime são realizadas
O número de carvoarias no estado cresce a cada ano. Nos últimos três meses foram desativadas cinco carvoarias clandestinas em Alagoas e apenas cinco pessoas foram presas, mas há indícios da existência de outras carvoarias em todo o Estado.
O Litoral Norte é onde esse crime ambiental tem maior incidência. As praias de Guaxuma, Pescaria, Paripueira e Barra de Santo Antônio estão entre os principais pontos de desmatamento para a implantação de carvoarias e atingem uma grande área da Mata Atlântica. A madeira mais procurada é a Nobre por ser rígida e fazer um carvão mais consistente, quando apreendida, ainda durante o corte, a madeira é destinada para doação.
O fato é comprovado e flagrado a cada inserção na mata por parte dos militares do BPA. No final de janeiro, uma denúncia anônima levou o grupamento até um desses pontos. Nessa ação foram apreendidas vinte e uma sacas de carvão vegetal recém-produzido e três pessoas acabaram presas em flagrante.
A operação ocorreu no povoado de Pescaria, no bairro de Ipioca. O carvão era feito de madeira nativa da Mata Atlântica, a preferida pelos exploradores. Com o grupo foram encontradas foices, cordas e machados utilizados para desmatar 10 mil metros quadrados. Depois da ação policial, as quatro carvoarias irregulares, que já funcionavam há alguns meses foram desativadas.
Segundo o sargento Jeilson Lima Vieira, há três meses o BPA vinha monitorando a região na tentativa de localizar os infratores. Porém, todas as vezes que a polícia se aproximava do local, os criminosos conseguiam fugir. “Dessa vez, apenas um criminoso conseguiu escapar pela mata. Os que foram capturados afirmaram estar trabalhando para o dono do terreno, desconhecendo que a ação tratava-se de crime ambiental”.
Toda a madeira e o carvão apreendido nessa ação foram doados. “Nós destruímos as caieiras, realizamos a apreensão da madeira e do carvão e doamos a madeira para o sistema prisional que a utiliza no programa de reeducação com a produção de móveis”, explicou o militar.
A queima da madeira como fonte de renda
Para alguns dos cortadores, transformar madeira em carvão é a forma mais rápida de adquirir uma renda. De acordo com o tenente Anderson Barros a maioria dos infratores são analfabetos e sobrevivem dessa exploração ilegal. “Apesar de sermos os cumpridores das leis, algumas dessas pessoas que desmatam e transformam a madeira em carvão não querem ficar ricas, pois, alguns fazem pela falta de oportunidade. Eles encontram na carvoaria um modo de sobrevivência”.
Diante dessa situação, o BPA tenta conscientizar essas pessoas com um trabalho de educação ambiental, que apresenta para essas comunidades novas alternativas de renda, atrelada à proteção do meio ambiente. “Quando nós observamos que são pessoas analfabetas, fazemos um trabalho de educação ambiental na tentativa de mudar essa realidade”, colocou.
Ainda de acordo com o tenente Anderson, os cortadores acham que só podem viver do corte e da queima da madeira. “Como alternativa nós mostramos opções para aumentar a renda familiar. Sempre tentamos fomentar outros consórcios, a natureza como plantação de subsistência, apicultura, o aproveitamento de frutos da mata, para que possamos tirá-los desse crime ambiental”, completou.
Sacos plásticos que servem como protetor nos pés de Rosangela (Foto: Fabyane Almeida) |
Há dez anos trabalhando na venda de carvão, a comerciante Rosângela dos Santos, tira desse tipo de atividade o sustento da família. Ela é uma dos muitos comerciantes que trabalham no entorno do Mercado da Produção. Assim como a maioria das pessoas que trabalham à margem da Lei, ela se esquiva sobre a possibilidade de sua mercadoria ser ilegal. “Eu não sei de onde vem esse carvão. Compro a uma pessoa há muitos anos e nunca parei para pensar se ele é ilegal ou não”, afirmou à comerciante.
Com os dedos pretos e sacos nos pés para evitar que a coloração escura do carvão a atingisse, ela garante que tem o sonho de mudar de profissão. “Quero trabalhar com outra coisa, mudar de vida. Estou há dez anos nessa atividade e não tenho sequer qualidade de vida. Vivo gripada e tenho medo de algum dia ter uma doença pior. Por causa da poeira, minha médica diz para tomar leite e água”, contou Rosângela.
A venda de carvão já sustentou oito pessoas da família da comerciante, que garante tirar um lucro maior no período de festas e feriados. “Em época de festa, ganho um salário, mas em dias normais, o salário é menor. O meu lucro é de R$ 2 por saco, pois eu só revendo o carvão”, completou.
Prejuízos para o ambiente e a população
A alta temperatura das carvoarias também prejudica o solo que perde seus nutrientes. “Há uma perda de nitrato, potássio e PH do solo, e no Bioma adequado para aquela determinada localidade. Quando acontece esse desgaste, é necessário haver uma recuperação no solo através do Plano de Recuperação de Área Degradada (PRAD), havendo uma adequação às condições anteriores do solo”, informou o tenente do BPA, Anderson Barros.
Ainda de acordo com o tenente é fundamental restabelecer a vegetação. “Nesse tipo de desmatamento é necessário tratar o solo com produtos químicos, para a vegetação se regenerar e para que haja a remineralização do solo”.
SAÚDE - Ainda em relação aos danos provocados pelas carvoarias, o analista ambiental, Giovanni Pacelli, explicou que a produção de carvão emite gases poluentes, causando graves danos à saúde do homem, desde simples irritação na pele (para as pessoas que já são pré-dispostas) a problemas respiratórios que ocasionam alergias. “O principal dano das carvoarias é o desmatamento que destrói a Mata Atlântica e a poluição que emite para a atmosfera. Para a carvoaria funcionar legalmente, é necessário ter uma licença do IMA, e a maioria delas não possuem. O IBAMA realizou dez autuações contra essa irregularidade no ano passado”, afirmou.
Fiscalização não inibe a prática de crimes
O crime de desmatamento e a fabricação de carvão vegetal são os crimes com maiores incidências de denúncias anônimas no BPA. Além da faixa litorânea, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e o Instituto do Meio Ambiente (IMA), também realizam operações e fiscalizações para desativar carvoarias no Sertão de Alagoas. “Existem duas formas de fabricar carvão. Uma é a caieira, local onde a madeira é queimada, muito usada na região litorânea. Outra forma é através dos fornos de tijolos, utilizada com mais incidência no Sertão. Esse último fica mais fácil de combater, inclusive, em ações recentes, destruímos a maioria”, explicou o subcomandante do BPA Major Marco Aurélio Costa, lembrando que a caieira é a queima do carvão no solo.
Um levantamento do Batalhão Ambiental aponta Arapiraca como o destino para a maioria das sacas de carvão irregulares fabricados no interior do Estado. O município com maior número de fábricas de doces ainda prefere a utilização do carvão como fonte de energia. Padarias, pizzarias e churrascarias de todo o Estado também consomem o produto.
Segundo o major Marco Aurélio, a maioria dos estabelecimentos é irregular e não tem preocupação ambiental. “Poucos compram a madeira regular ou o bagaço da cana-de-açúcar, que seria a alternativa viável para não causar danos ao meio ambiente. Por ser irregular, esse tipo de carvão se torna mais barato e lucrativo”, afirmou.
Carvão para ser revendido (Foto: Fabyane Almeida) |
O outro problema é que algumas distribuidoras de carvão legalizados, que possuem o Documento de Origem Florestal (DOF), se aproveitam da existência desse produto ilegal para aumentar o lucro e diminuir as despesas. Eles esquentam o carvão ilegal, misturando as produções. O subcomandante do BPA, disse ainda que o DOF é obrigatório e a maioria dos produtores de carvão não o possuem. “É necessário estar com o documento a partir do início, o momento do corte da madeira, durante a transformação em carvão, no transporte e até o destino de entrega. Se em uma dessas etapas a fiscalização não encontrar o documento, o material é considerado ilegal e é apreendido”, explicou.
As carvoarias clandestinas espalhadas pelo Estado são tão prejudiciais ao ambiente quanto para a saúde de quem desmata e queima a madeira. Na tentativa de inibir a prática do crime ambiental, órgãos responsáveis pela fiscalização usam a educação como tentativa de conscientização dos cortadores, além de utilizar os disques denúncias do Batalhão de Policiamento Ambiental através do número 3315-4325, do Instituto do Meio Ambiente, 0800-082-1523 ou, ainda, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis 0800-618-080. Ligando para os números qualquer pessoa pode denunciar esse tipo de crime ou qualquer outro que esteja afetando diretamente o meio ambiente e pode ajudar a salvar a natureza.
Nenhum comentário:
Postar um comentário