Fabyane Almeida
Fotos: divulgação
Manifestações, protestos, atos públicos e reivindicações. Os transtornos do direito de uma classe que luta pelos seus objetivos vão além do impedimento do tráfego. Muitas vezes, os gritos e as bandeiras vêm acompanhados da fumaça de pneus queimados, usados para bloquear ruas e avenidas.
As ações usando a queima de pneus estão, cada vez mais, frequentes em Alagoas. No último dia 23, moradores da Grota Santa Helena, na Chã da Jaqueira, realizaram um protesto e atearam fogo em pneus sem imaginar que, por trás dessa ação, são causados danos à saúde não só de quem está na manifestação, mas das pessoas que estão no entorno. A prática causa, ainda, um prejuízo ao meio ambiente, já que libera grande quantidade de substâncias poluentes.
A queima de pneus é prejudicial ao meio ambiente e ao ser humano na mesma proporção. Por ser um derivado do petróleo, as substâncias liberadas na combustão são consideradas altamente tóxicas e, se inaladas com certa frequência, tornam-se um risco para a saúde também de quem vai conter a queima.
O pneu tem em sua composição orgânica hidrogênio, carbono e enxofre. Após a queima, produz gás carbônico, água e algumas substâncias cancerígenas: hidrocarbonetos poliaromáticos, dioxinas uranos e ácido benzeno, além de óxido de enxofre, que é prejudicial ao sistema respiratório por ser altamente tóxico.
Quando não há um armazenamento correto desses pneus, pode ainda causar outros riscos. Segundo o químico Mário Meneghetti, a queima de forma inadequada pode, ainda, contaminar o lençol freático. “Se houver um acúmulo de pneus em grande quantidade num único lugar e acontecer um incêndio, essa queima, além de gerar os gases, forma um óleo que, em contato com o lençol freático, polui a água que irá para as residências”, alertou.
A fumaça negra é uma das piores. Possui um material particulado, um pó muito fino que permanece no ar por um longo período e, lentamente, vai se depositando no ambiente. Por ser um poluente altamente potente, também prejudica o efeito estufa e produz a chuva ácida.
“Conter o fogo que é produzido pela combustão dos pneus é extremamente difícil, o adequado seria usá-los na queima em caldeira industrial como combustível na produção de cimento, com a utilização de filtros para reduzir a emissão de poluentes e minimizar o impacto ambiental” completou Mário Meneghetti.
Substâncias: de alergias até a morte
O corpo humano está suscetível a sofrer de várias doenças por causa das queimadas de pneus. Os problemas podem variar de simples irritações na pele a casos mais graves de intoxicação, que podem chegar à morte.
Apenas o primeiro contato com a toxina é suficiente para as pessoas que não têm nenhum tipo de problemas respiratórios desencadearem alergias. Qualquer indivíduo que esteja inalando a fumaça tóxica pode provocar alergia respiratória, como rinite, tosses e espirros.
O quadro pode agravar se o indivíduo já for asmático, produzindo uma crise, que provoca insuficiência respiratória. Segundo a pneumologista Fátima Alécio, qualquer pessoa que fique exposta a esse tipo de situação se tornará vítima do ar poluído. “As pessoas nem imaginam o quanto é tóxico à saúde. Quem tem tendência à insuficiência respiratória fica mais suscetível a ter infecções, a exemplo de gripes, viroses e até a pneumonia”, alertou Fátima Alécio.
Quanto mais próximas fiquem da fumaça, mais sensíveis as pessoas tendem a ficar, porque a exposição é proporcional ao tempo. Ou seja, quanto maior o tempo exposto a qualquer toxina, pior serão as consequências para quem está próximo à queimada. A poluição agride de todas as formas.
Durante a combustão é liberado monóxido de carbono que desenvolve reações, como: ardência nos olhos, que pode levar a conjuntivite; e ardência na garganta, podendo levar a tosse e inflamações; além das alergias na pele.
Se para toda ação existe uma reação, não é diferente com o corpo do ser humano, que possui um mecanismo de defesa para entrada das “partículas estranhas”. “Quando é inalada a fumaça tóxica, o pulmão reage, porque uma substância estranha e nociva está entrando na via aérea. A reação é para tentar expulsar o que está agredido, provocando uma reação inflamatória, o que ocasiona o ‘fechamento dos pulmões’. Esse é o mecanismo de defesa do pulmão, mas não pode ficar por um longo período, porque pode ocasionar uma parada respiratória. E as pessoas alérgicas têm maior tendência a esse problema”, alertou a pneumologista.
Militares podem ter asma ocupacional
Há riscos também para quem vai conter o fogo ateado nos pneus. Os policiais e bombeiros que estão sempre presentes em todo tipo de protesto podem desenvolver a asma ocupacional, que é produzida pelo frequente contato com o ar poluído. “Já teve casos de militares do Corpo de Bombeiro que morreram por intoxicação de monóxido de carbono, devido à exposição excessiva dos poluentes”, contou Fátima.
É um direito de cidadão respirar um ar puro, assegura a pneumologista. “Existem outras formas de protestar; não precisa poluir. Os manifestantes acabam prejudicando a saúde deles mesmos e das outras pessoas, além de contribuir para a poluição do meio ambiente”, completou Fátima Alécio, afirmando ficar preocupada com a situação dos seus pacientes diante desse tipo de substância tóxica.
SEM-TERRA - Já para quem faz da queima de pneu uma forma de reivindicar os seus direitos, essa toxina não é nada diante do que eles lutam. Segundo o coordenador estadual do Movimento de Libertação dos Sem-Terra, Márcio Antônio da Silva, a queima de pneus é usada para que eles não sejam agredidos. “Essa é uma forma de nos defendermos da reação das pessoas, construímos uma barreira na pista contra os motoristas e contra a polícia”, alegou.
Apesar de saberem que libera uma substância tóxica, continuam utilizando a forma de protesto. “Quando nós queimamos pneus, são poucos, não representa nada em relação aos outros poluentes que são liberados ao meio ambiente”, argumenta Márcio Silva.
Protestos agridem a fauna e a flora
Para o meio ambiente, a queima se torna um poluente poderoso que atinge agressivamente a fauna e a flora, piorando a qualidade do ar, das matas e dos corpos hídricos. Segundo o diretor técnico do Instituto do Meio Ambiente (IMA), Gustavo Carvalho, a saúde do meio ambiente é tão afetada quanto a do ser humano, com o processo de queima. “A composição do pneu é derivada do petróleo. Se fizermos uma analogia, é como se estivéssemos queimando óleo”, explica.
Os danos ao ambiente, segundo explicou Carvalho, acontecem de forma que a fuligem do pneu cobre a flora, o que prejudica a respiração das plantas e dos animais.
O Ministério Público Estadual, em parceria com a Prefeitura de Maceió e com o IMA, vem realizando um mutirão que tem o objetivo de arrecadar pneus inservíveis na capital alagoana. Só no período de 22 de junho a 8 de julho, foram arrecadadas 80 toneladas de material, um total de 18 mil pneus de carro de passeio.
Agora, as equipes da Superintendênciade Limpeza Urbana de Maceió (Slum) percorrem as borracharias recolhendo os pneus que estão sem utilização, para que sejam levados para a fábrica Cimpor Brasil, em São Miguel dos Campos, que produz cimento. Os pneus serão utilizados como combustível, substituindo o carvão. “Essa é uma ação que busca a destinação adequada para os pneus, que, na maioria das vezes, são depositados em lixões e não têm uma decomposição rápida, gerando outros problemas ambientais”, completou Gustavo Carvalho.
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