quinta-feira, 26 de abril de 2012

O outro lado da orla marítima de Maceió

Pajuçara, Ponta Verde, Jatiúca e Cruz das Almas, principais praias e pontos turísticos da cidade, estão se transformando em verdadeiros depósitos de lixo, causando transtornos e comprometendo a vida marinha e a saúde de banhistas e comerciantes


POR ISLEY TENÓRIO E MARCEL VITAL


Esgoto e banhistas se misturam na praia de Ponta Verde

 O cenário convidativo de sol abundante, águas mornas em tons de verde e azul e coqueirais é um atrativo e tanto para quem busca relaxar e esquecer os problemas do dia a dia. A vista privilegiada chama a atenção não só de turistas, mas também dos moradores.


Sob outro ângulo é possível observar com olhar mais atento um cenário transformado. Em pouco tempo percebe-se uma variedade de sujeira, desde embalagens plásticas, restos de cigarro, latas de alumínio, papel até seringas e preservativos que são usados e jogados na clara areia da orla marítima de Maceió.   O descarte inadequado de lixo no local tem colocado em risco à saúde de quem pratica atividades físicas, gosta de observar a paisagem e de famílias inteiras que, muitas vezes, têm a praia como única opção de lazer após uma semana de trabalho. Eles precisam de atenção redobrada para não se contaminar nem se machucar.

Frequentadora da praia de Pajuçara, a costureira Dalva da Silva, acabou sendo vítima dessa situação. Após o contato com a areia contaminada, ela contraiu um germe causado pelas fezes de cães. “Foi uma luta pela vida, tive que tomar antibióticos para melhorar”, conta.

A presença de animais domésticos, principalmente cachorros, é frequente nas praias. Segundo Dalva, é constante ver donos alimentando os animais. Ela reclama que muitos não têm a preocupação de levar sacolas plásticas para o recolhimento de restos de comida e as fezes que ficam na areia.

Outro problema que a banhista critica é a presença de pombos. Os restos de alimento que são deixados na areia é um atrativo para essas aves e um risco à saúde para quem costuma ir à praia. Hoje curada, ela se diz uma sobrevivente e procura ter mais atenção nas praias que costuma ir. Sentar na areia sem a devida proteção e tomar banho de mar são hábitos do passado.


Falta de lixeiras na areia e
 falta de educação dos banhistas: lixo por toda parte
 Materiais cortantes são também grandes vilões para quem precisa trabalhar ou se entreter. Segundo comerciantes que não quiseram ter seus nomes revelados, não raro encontrar nos finais de semana banhistas, em sua maior parte crianças, se cortarem com garrafas de vidro, tampinhas de cerveja e até com palitos de churrasquinhos que são enterrados nas areias.

“Você vem à praia para se divertir e acaba se machucando. É um absurdo e o poder público não faz nada para mudar essa situação”, reclama um comerciante da praia de Ponta Verde, que trabalha no local há quase uma década.

AUSÊNCIA DE LIXEIRAS, EDUCAÇÃO E FISCALIZAÇÃO

De acordo com Fernando Antônio e Manuel Bezerra, garis da empresa Viva Ambiental, a ausência de contêineres e lixeiras em pontos estratégicos nas areias das praias contribui ainda mais para o descarte de lixo. As limpezas feitas diariamente, distribuídas em três turnos não atendem à demanda da população, sobretudo durante o verão e feriados, quando o fluxo de pessoas aumenta nessa época.

Para Fernando Antônio, se os banhistas colaborassem recolhendo o lixo, a orla seria um local mais limpo, bonito e melhor. “Não é porque eu sou gari que vou trazer minha esposa e meu filho para um lugar sujo”, indigna-se.

Eles reivindicam que se existisse fiscalização facilitaria o trabalho, por vezes, o serviço se estende porque catadores rasgam os sacos de lixo nos coletores em busca de latas de alumínio para a venda em ferros-velhos.

Segundo o Diretor de Fiscalização da Superintendência de Limpeza Urbana de Maceió (Slum), Adilson Souza, o número reduzido de contêineres é justamente para evitar que o local se converta em um “lixão” e cause maiores transtornos. Sobre a implantação de lixeiras mais próximas às areias, o diretor garantiu que uma equipe irá ao local para verificar onde poderão ser implantadas, mas não disse quando terá início.

Ele vê como medida paliativa a distribuição de sacolas plásticas, durante os finais de semana, visando conscientizar a população na tentativa de amenizar o problema. No entanto, essa medida até o fechamento da reportagem não tinha sido colocada em prática.

Para a comerciante Eliene Marcelino, que atua na venda de churrascos, bebidas, aluguel de cadeiras e guarda-sóis, todos os ambulantes firmaram acordo com a prefeitura de Maceió para manter limpo o local onde trabalham.


Garis dizem que é necessário fiscalização para manter as praias limpas

Segundo ela, a falta de organização acontece por parte de uma minoria. Eliene explica que para cada banhista que aluga as cadeiras é disponibilizada uma lixeira, mesmo assim, alguns acabam descartando o que consomem na areia.

Perguntada como ela imagina as praias num futuro próximo, ela responde que se houver fiscalização do poder público e investimentos visando à conscientização, principalmente com a população alagoana, pode ser que ocorram mudanças significativas. Porém, se a situação se prolongar, o cenário pode ficar igual ou pior que as praias da Avenida e do Sobral.

O turista Edmilson Bezerra, de Itapetininga, interior de São Paulo, se diz preocupado com a situação das praias de Maceió. Visitando a cidade pela quarta vez, ele conta que todas as vindas é uma surpresa diferente.

“Como se já não bastasse os copos descartáveis, os saquinhos plásticos e os palitos de sorvete; tive que presenciar também, preservativos usados boiando na água. É revoltante, um fator negativo para a própria cidade.”

Já para Ana Brás, turista de São Paulo, que morou em Maceió durante anos, a situação das praias, em especial a de Cruz das Almas, é lamentável. “Não tenho coragem de entrar nessas águas”, esbraveja.

O motivo é o lançamento de esgotos que formam as chamadas “línguas negras”. A turista se diz incomodada com a ausência de lixeiras próximas à areia e placas sinalizadoras que indiquem que aquela determinada área está própria ou imprópria para banho.

“Acredito que a educação ambiental, enquanto atitude, tem que começar com os governos, pois não adianta educar cidadãos nas escolas se a administração pública não facilita e não muda a estrutura”.

A turista ainda compara a realidade da orla de Maceió com a antiga situação do litoral do município de Praia Grande, no estado de São Paulo. Ela relata que era constante encontrar grandes quantidades de lixo nas areias e que a prefeitura obteve resultados satisfatórios ao aumentar o número de profissionais de limpeza, investimentos em campanhas, além de medidas como a implantação de placas e lixeiras mais próximas dos banhistas.

O BELO MAR POLUÍDO

O problema da poluição vai muito além do que é descartado nas areias, compromete também a vida marinha, colocando em risco animais indefesos como as tartarugas, principais vítimas da ação do homem. Plásticos, pedaços de nylon e até partes de computador são os itens mais encontrados dentro do estômago desses animais.

A bióloga Aliete Bezerra, uma das fundadoras do Instituto Salsa de Praia, uma ONG que trabalha em conjunto com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e o Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Alagoas (CBMAL), explica que as espécies com maior índice de mortandade são a Chelonya Mydas, também conhecidas como tartarugas-verdes.

Segundo ela, como não conseguem diferenciar o que é alimento e o que não é, as tartarugas acabam ingerindo, em sua maior parte, plásticos ao invés de algas, que são um dos alimentos básicos para a sobrevivência desses animais. Ainda de acordo com a bióloga, por ser um material que não é biodegradável, o plástico se acumula dentro do organismo, dando a sensação de saciedade, por isso, muitas terminam morrendo.

Bezerra esclarece que, em casos de pneumonia causada por bactérias presentes no lixo, a equipe consegue reabilitar o animal devolvendo para seu habitat natural, mas quando há a ingestão por plástico é quase inevitável porque eles não conseguem retirar o material de dentro do organismo.

Não somente as tartarugas que sofrem por conta da poluição, mas também as aves. O albatroz-errante, ave da família Diomedeidae, ingere em sua maior parte, tampinhas de garrafas plásticas e pedaços de nylon. De acordo com Aliete, quando a fêmea regurgita a comida para alimentar os seus filhotes, eles engolem esses materiais e terminam morrendo.

A poluição produzida pelo homem e o aumento das temperaturas na Terra têm provocado também a morte dos recifes de corais, organismos que vivem em simbiose com algas microscópicas, presentes no seu tecido, dependem da intensidade luminosa para viver. Segundo César, quando o plástico ou outro material estão presentes nos corais, a transparência e luminosidade que chegam até eles diminuem, e muitos acabam morrendo em função do bloqueio da luz.

CUIDADO!

De acordo com o Diretor Técnico do Instituto do Meio Ambiente (IMA), Ricardo César, o descarte de plásticos, latas de alumínio, garrafas de vidro, entre outros materiais, não influenciam na balneabilidade das águas. No entanto, quando banhistas e animais de estimação entram em contato com a água do mar, fazendo suas necessidades fisiológicas, a exemplo das fezes, acabam interferindo na análise.

A Escherichia Coli, bactéria presente na flora microbiana intestinal de humanos e da maioria dos animais de sangue quente, é encontrada normalmente nas fezes, sendo um indicativo na hora da coleta da água.

Conforme o Diretor Técnico do IMA, o processo de análise da balneabilidade segue a Resolução CONAMA n°274, de 29 de novembro de 2000, que estabelece o critério da qualidade da água própria para banho, quando 80% ou mais de um conjunto de amostras obtidas em uma das cinco semanas anteriores, colhidas no mesmo local, não exceder um limite de 1.000 NPM (Número Mais Provável) de coliformes termotolerantes (fecais) por 100ml da amostra de água.

As praias são consideradas impróprias, quando não obedecer ao critério anterior ou quando venha apresentar na última semana um valor superior a 2.500 coliformes termotolerantes.

Os banhistas que frequentam as praias impróprias desconhecem o problema. “Não estou sabendo, se soubesse nem entraria e também não sei quais são as adequadas para banho”, diz a banhista da praia de Jatiúca, Denazilda Nascimento Neta.


Moradores de Maceió e turistas na praia da Pajuçara
ficam indignados com esgoto a céu aberto
 Sobre a ausência de placas sinalizando os trechos impróprios para banho, César explica que existiam, mas que foram retiradas devido aos constantes atos de vandalismo. E denuncia que muitas eram quebradas e até queimadas pelos comerciantes que as retiravam com medo de perder seus clientes.

Paisagem que está sendo destruída unicamente por falta de cuidados. Até quando veremos animais tentando vencer obstáculos na busca pela vida? Quando o homem irá se dar conta das cicatrizes deixadas por suas ações? “A natureza é humana e nós somos a natureza. É uma troca”, diz a turista Janete Viana, do Paraná. Uma tarefa árdua, que dependerá não só das autoridades, mas principalmente da sociedade. Um problema que poderia ter sido evitado.



Nenhum comentário:

Postar um comentário