Paulo Guedes
O crescimento urbano desorganizado das cidades do Brasil, especialmente, provocou uma série de problemas ambientais como o barulho, as enchentes, a poluição do ar e, sobretudo, a morte dos riachos, como é o caso do Salgadinho. Há dois anos, quando esteve na nascente, o técnico do Instituto do Meio Ambiente (IMA), Gustavo Carvalho, especialista em recursos hídricos, constatou o riacho agonizando. “Era apenas um filete de água que mal dava para molhar a areia. Aquele era o anúncio da morte do riacho,” contou. Em sua nascente, ele se chama Poço Azul. Num percurso de três quilômetros, é uma continuação do Riacho Reginaldo, que nasce no bairro Jardim Petrópolis. Os vários braços da Bacia do Reginaldo cortam quase toda a cidade de Maceió, passando por cerca de dez bairros, fazendo parte da vida de mais de 300 mil pessoas que moram no Benedito Bentes, Santa Lúcia, Serraria, Gruta de Lourdes, Farol, Pitanguinha, Feitosa, Jacintinho, Vale do Reginaldo, entre outros.
|
O Riacho Salgadinho é conhecido
por ser bastante poluído.
(Foto: Paulo Guedes) |
O Riacho Salgadinho corria lentamente entre espécies de árvores nativas. De tão límpida e rasa, a água permitia a visualização perfeita do leito. "A água aqui era tão azulzinha que parecia uma pedra de anil. Doce e fria", comentou José Antonio da Silva, 62 anos, morador da localidade Poço Azul. No Planalto da Jacutinga, próximo ao bairro Antares, outra nascente do riacho já secou e o amontoado de areia denuncia isso. Das lagoas do Distrito Industrial Governador Luiz Cavalcante desce o que sobra de água. De tão pouca, ele passa ao lado da nascente do Poço Azul e se perde antes de chegar ao canal do Salgadinho.
Trabalho de macumbeira
Essa é mais uma história interessante e absurda. Os moradores mais antigos da Comunidade Poço Azul atribuem o fechamento da nascente a um “trabalho feito” por uma certa “macumbeira” que morou no local e que não tinha amizade com ninguém. Contam que, um dia, essa senhora foi lavar roupa na nascente e, naquele dia, ninguém foi até lá. Depois, ela estendeu as roupas em uns galhos de cajueiro e só foi embora no fim da tarde, quando a roupa já estava seca. Alguns dias depois a nascente secou e os olhos d’águas (minadores) também secaram.
Degradação, impermeabilização do solo que compromete o lençol freático e a explosão de poços artesianos particulares foram alguns dos fatores que contribuíram para a morte do Riacho Salgadinho, onde hoje passa água poluída.
Mas é no Vale do Reginaldo que o riacho assume o "posto" de canal de águas podres. Quem vê o esgoto hoje, no salgadinho, por exemplo, não imagina que, alguns quilômetros acima, a água já foi limpa, clara, doce e em condições até de se beber.
"O Reginaldo é um rio infante com as graves mazelas dos rios velhos. Nisto, há um culpado: é o homem que, criminalmente, destruiu suas matas", escreveu o jornalista e escritor alagoano Octávio Brandão, em seu livro Canais e Lagoas, de 1919. Sobre o rio, nessa obra, o escritor dedica ao Salgadinho apenas três momentos em páginas diferentes. Ele fala da beleza do rio e da sua morte iminente.
Isso revela que, há 90 anos, o homem já estava envolvido no processo de extinção do rio. Como havia a degradação do meio ambiente, também havia a denúncia que parece não ter encontrado eco nem junto às autoridades nem à comunidade que passava a ocupar as margens do rio e, para isso, derrubava dezenas de exemplares de sucupiras e embiribas, árvores nativas. Hoje, dão lugar a coqueiros, mangueiras e bananeiras.
Com a construção do Hotel Atlântico em 1970 na Praia da Avenida da Paz, próximo ao Centro de Maceió, que durante muitos anos foi o mais procurado pelos turistas, o Riacho Salgadinho viveu sua época de glória. Porém, com o passar dos anos, o descaso público e a falta de consciência ambiental, o cenário mudou e, atualmente, o que existe é um riacho formado por lixo, odores e urubus.
Mergulho nas águas sujas
Em 2000, a então prefeita de Maceió, Kátia Born, candidata à reeleição, chegou a mergulhar nas águas do Salgadinho para demonstrar que ele estava limpo, totalmente despoluído, o que não era verdade. Até hoje a população de Maceió espera uma solução consistente e consciente. Em toda a extensão do Riacho Reginaldo até o trecho em que passa e se chamar Salgadinho, há dezenas de esgotos. Cálculos da Defesa Civil revelam que moram nesse trecho pelo menos 15 mil famílias, ou 50 mil pessoas. Os números mostram, ainda, que o lixo doméstico e os dejetos dessas pessoas são despejados diretamente no leito do rio. Mas são os canos de PVC, de diâmetros variados, que decretam a poluição total do riacho. Mesmo com águas da chuva, o canal poderia ser limpo se os moradores tivessem o mínimo de consciência ambiental.
Descaso ambiental
Para se ter uma sociedade sadia, é necessário que haja a consciência ambiental, tanto dos órgãos públicos, quanto da sociedade. Num artigo publicado na Revista do Meio Ambiente, edição de dezembro de 2010, o escritor ambientalista Vilmar Sidnei disse que a conscientização do brasileiro em relação ao meio ambiente aumentou 30% nos últimos 15 anos.
O que se aprende quando se propõe a falar sobre poluição é que, inicialmente, não se deve produzir lixo. Como isso é praticamente impossível, sugere-se que se produza, então, o mínimo possível. Ou seja, dos 800g de lixo produzidos por cada brasileiro, que se baixe esse peso. Uma saída para o problema é a reutilização do material. Retardar ao máximo o ato de jogar lixo fora, no meio ambiente, tem sido uma boa ideia.
Os ambientalistas ensinam ainda que as pessoas repensem seus hábitos de consumo e de comportamentos. A redução no consumo de embalagens, principalmente as de plástico, também é um procedimento de consciência ambiental. Os especialistas mandam reciclar e ainda alertam que, se a pessoa não quiser ou não tiver condições de reciclar seus produtos, que faça a doação deles para quem se dispõe a fazer isso, a exemplo do lixo eletrônico, como TV, computador, celular, e outros.
"A tendência é aumentar a cada dia a consciência ambiental. Resta saber se o planeta conseguirá sustentar a vida humana pelo tempo necessário até que todas as mudanças que estão em curso consigam produzir seus efeitos", disse o escritor em seu artigo "Apesar de difícil, é preciso - é possível – mudar”.
Viver é preciso, mudar também é preciso
O que chama mais atenção, no entanto, é que de 1963 até hoje, 48 anos depois, foi feito muito pouco. É interessante notar o abandono que o Riacho Reginaldo e seu prolongamento apresenta. Para o engenheiro Alvaro Menezes, do ponto de vista de estrutura urbana é sujo, cheio de mato e lixo, onde há calçadas ou restos delas, a aparência é a pior possível. As paredes laterais de pedra que revestem o canal por onde corria um riacho pedem recuperação há anos e o fundo do hoje canal de esgotos e lixo deveria ser revestido em grande parte. “Nas minhas lembranças sobre manutenção do canal ainda vejo as dragas do extinto DNOS – Departamento Nacional de Obras de Saneamento, lá nos anos 70. É triste ver que nem limpar o canal é possível hoje,” lamenta.
Ele acrescenta que a Prefeitura de Maceió vem realizando um bom trabalho nos últimos anos. O Salgadinho é um cartão postal negativo, pois, nem o mato que cresce dentro dele perto da antiga rodoviária consegue ser retirado. Alguns projetos para o Riacho Salgadinho foram apresentados na década de 90. Nesse período, já se falava na preocupação em recuperar o "Vale do Reginaldo". Retificação e Revestimento do Riacho do Sapo, Urbanização e Proteção Ambiental e Recuperação da Via Marginal do Vale do Reginaldo até a praia da avenida, foram alguns projetos da época. Disso tudo, restou um canal fétido, margeado por blocos de concreto e todo o leito revestido de cimento armado. Assoreado com areia e lixo, em alguns trechos o canal chega a transbordar.